10 de novembro de 2007

20 DE NOVEMBRO É SUGESTÃO GAÚCHA

Em 2006, o Governo Federal lançou o Selo Comemorativo aos 35 anos do Dia da Consciência Negra.

por Sátira Machado, do NÓS SOMOS MÍDIA

Photobucket - Video and Image Hosting
O cabelo, na imagem, traz o nome de várias
personalidades negras, no
Selo Comemorativo aos 35 anos do
Dia da Consciência Negra - (2006)


Em 1971, Ano Internacional para Ações de Combate ao Racismo e a Discriminação Racial /ONU, a imprensa gaúcha abre espaço para a divulgação da primeira evocação no Brasil do dia 20 de novembro , uma manifestação do Movimento Negro gaúcho, em alusão ao dia da morte do lider do Quilombo dos Palmares, Zumbi.

O ato do Grupo Palmares, de Porto Alegre, em 1971, foi celebrado por negros e negras no Clube Náutico Marcílio Dias. A criação do grupo e a escolha da data, estudada e sugerida por Oliveira Silveira, foi fruto de encontros de negros na Rua da Praia (Rua dos Andradas), na capital gaúcha.

A partir de 1978, outros Estados passsaram a celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra, no dia 20 de novembro. Em 2003, a data passou a fazer parte do calendário escolar com a implementação da Lei 10.639/03, que inclui o ensino sobre a "História e Cultura Afro-Brasileira" nas escolas públicas e particulares do Brasil e dá outras providências.

Photobucket - Video and Image Hosting
Hélio Santos e Oliveira Silveira

O Prof. Hélio Santos destaca que o Movimento Negro é o movimento social mais antigo do Brasil. O Quilombo dos Palmares foi um dos maiores movimentos sociais na história do País. Na Serra da Barriga, em Alagoas, o quilombo foi espaço de resistência e conscientização onde a comunidade negra podia preservar as raízes africanas e pensar em alternativas para o povo negro no novo continente. No ano de 1670, a República dos Palmares já abrigava mais de 50 mil africanos refugiados do escravismo colonial que mais tempo durou no mundo, até 1888.

O Quilombo dos Palmares foi fundado em 1600, por africanos fugidos das fazendas de engenhos de açúcar de Pernambuco. Em 1655, num dos mocambos de Palmares, nasce Zumbi. O quilombo é invadido várias vezes e, numa dessas os soldados capturam Zumbi. O entregam aos cuidados do Padre Antônio Melo, que lhe ensina a ler muitos livros, inclusive em latim. Em 1670, Zumbi foge do padre e retorna para Palmares. Líder, passa a lutar pelo ideal de liberdade de todos os escravizados, não apenas os habitantes do Quilombo dos Palmares. Em 20 de novembro de 1695 é preso e degolado. A abolição da escravidão no Brasil só saiu em 1888.(www.vidaslusofonas.pt)

Em 1986, o local foi tombado. A Serra da Barriga fica a 80 Km de Maceió, no município de União dos Palmares e é considerado o principal sítio arqueológico do país. O arqueólogo da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Zanettini, o professor americano Charles Orser, da Universidade de Ilinois e o professor da Unicamp Pedro Paulo Funari foram os primeiros pesquisadores na serra. Hoje, o arqueólogo estadunidense Dr. Scott Allen, radicado no Brasil há cerca de uma década, é quem responde pelo sítio arqueológico da Serra da Barriga, junto com o Núcleo de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFAL (Nepa).

9 de novembro de 2007

ORIGENS DO VINTE DE NOVEMBRO

por Oliveira silveira, professor e integrante do Conselho Nacional de Promoção a Igualdade Racial (2004-2007)

Foram necessários 35 anos! E evidente há um relativismo nessa afirmação e... exclamação. são 35 anos do que se pode chamar de período contemporâneo da resistencia e das lutas negras no Brasil, quando já denominadas Movimento Negro - período contado a partir de 1971. Esse foi um ano demarcador através da primeira celebração nacional do Vinte de Novembro.

Novos tempos se iniciam desdobrando-se em três fases: 1971-78 - a virada histórica; 1978-88 -organização, ações políticas,, protestos, posicionamento estratégico...; e de 1988 rm diante - as conquistas mais concretas e palpáveis: presença na Constituição, espaços públicos desde Fundação Cultural Palmares à Seppir, reparações via ações afirmativas (cotas, reserva de vagas, programas e áreas como saúde e educação, bolsas de estudos como as do instituto Rio Branco),territorialidade negra, etc.

Foram necessários 35 anos de ação continuada para chegar a algum retorno significativo - muito significativo, aliás - ou para encaminhar outros, dando sequência ao trabalho resistente de gerações e gerações negras ao longo de cinco séculos. mas desde 35 anos com o Vinte de Novembro, fiquemos apenas com as origens.

Daquele treze a este vinte

A evocação do dia vinte de novembro como data negra foi lançada nacionalmente em 1971 pelo grupo Palmares, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O grupinho de negros se reunia costumeiramente em alguns fins de tarde na Rua da Praia (oficialmente dos Andradas) quase esquina com Marechal Floriano, em frente a casa Masson. Eram vários esses pontos de encontros, havendo às vezes algum deslocamento por alguma razão. Pontos negros.

Na roda, tendência à unanimidade.O Treze de maio não satisfazia,não havia por que comemorá-lo. A abolição só havia abolido no papel, a lei não determinara medidas concretas, práticas, palpáveis a favor do negro. E sem o Treze era preciso buscar outras datas, era preciso retomar a história do Brasil. Nas conversas , a república, o Reino, o Estado, o Quilombo dos Palmares (Angola Janga) foi o que logo despontou na vista d'olhos sobre os fatos históricos.

As fontes que levaram ao 20 de novembro de 1695 foram o fascículo Zumbi da série Grandes Personagens da nossa história, editora Abril Cultural, 1969, o livro O Quilombo dos Palmares, de Edson Carneiro (São Paulo: Editora Brasiliense, 1947 e, corroborando, a obra As guerras nos Palmares, do português Ernesto Ennes, ditado na coleção Brasiliana (São Paulo: companhia Editora Nacional, 1938).

Foram quatro participantes da primeira reunião, iniciadores da agremiação ainda sem nome: Antonio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, Oliveira Silveira e Vilmar Nunes. Um quinto de nome Luiz Paulo, assistiu mas não quis fazer parte do trabalho. A idéia era um grupo cultural com espaços para estudos e artes, notadamente literatura e teatro. Afinal estavam bem presentes e atuantes os exemplos do Teatro Experimental do Negro, o TEN, e da militância de Abdias do Nascimento, exemplo do poéta Solano Trindade e do Teatro Popular Brasileiro. Era preciso conhecer mais a história, debater as questões raciais, sociais. Vinham do exteriorinstigações como socialismo versus capitalismo, negritude, independências africanas e movimentos negros estadunidenses. A reunião foi por volta de 20/07/1971 (e adotou-se esta como data inicial do grupo).

Já na próxima ou em alguma das reuniões seguintes, ingressou Nara Helena Medeiros Soares (falecida) e dois ou três meses adiante Anita Leocádia Prestes Abdad, ambas consideradas também fundadoras.

O local da primeira reunião foi a casa situada no número 303 da rua Tomás Flores, bairro Bom Fim. Era uma casa de professores: José Maria Vianna Rodrigues (falecido no ano anterior), Maria aracy dos Santos Rodrigues, Julieta Maria Rodrigues, Oliveira Silveira, a menina Naiara Rodrigues Silveira, futura docente, e a senhora Jovelina Godoy Santana, sem esse título mas guardiã de lições de vida (longa). Ali haviam sido corroborados os estudos do Vinte de Novembro, e de Palmares, com a leitura do livro de Ernesto Ennes, num esquecido e mal folhado exemplar cedido ainda em vida pelo professor josé Maria. Lembrado e retomado em momento oportuno, o volume passou a ser devidamente conhecido como valioso.

A segunda reunião e algumas das seguintes, foram em casa de Antônio Carlos Cortes e seus familiars, no prédio da Loteria estadual sito à Rua da Praia quase esquina com a José Manoel. Foi onde e quando o trabalho nascente recebeu o nome de Grupo Palmares.

A denominação Grupo Palmares nasceu do conjunto de participantes da segunda reunião devido as considerações de que Palmares parecia ser a passagem mais marcante da história do negro no Brasilao representar quase um século de luta e liberdade conquistada e sendo também um contraponto à "liberdade" doada no dia 13 de maio de 1888, etc. Outras propostas de nome praticamente não tiveram espaço.

Ao expor brevemente essas considerações já compartilhadas desde as reuniões informais do ponto da Rua da Praia, o componente que vinha estudando Palmares e tentando uma vista d'olhos sobre a história (Oliveira Silveira) - estudos impulsionados por aqueles encontros e diálogos - sugeriu a adoção e evocação do dia 20 de novembro, morte heróica de Zumbi e final de Palmares, justificando:

*não se sabia dia e mês em que começaram as fugas para os Palmares (lá por 1595);

*não havia data do nascimento de Zumbi ou outras do tipo marco inicial;

*Tiaradentes também era homenageado na data de morte, 21 de abril;

*A homenagem a Palmares em 20 de novembro foi incluida no grupo na programação elaborada para aquele ano e foi pocedida por duas outras - a Luiz Gama em setembro e a José do Patrocínio em outubro.

Primeiro vinte

A homenagem a Palmares ocorreu no dia 20 de novembro de 1971, um sábado à noite, no Clube Náutico Marcílio Dias, sociedade negra sita à avenida Praia de Belas nº 2300, bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O Marcílio, fundado em 4/7/1949, foi um importante espaço físico, social e cultural perdido nos anos 80. público reduzido, conforme o esperado, mas considerado satisfatório.

"Zumbi, a homenagem dos negros do teatro" foi título da Folha da Tarde para a nota publicada no dia 17. E nessa época de ditadura, em que os militares eram chamados de gorilas, o teatro era muito visado. O grupo foi chamado à sede da Polícia Federal para, através de um de seus integrantes, apresentar a programação do ato e obter liberação da censura no dia 18.

A homenagem a Palmares em 20 de novembro de 1971 foi o primeiro ato evocativo dessa data que, sete anos mais tarde, passaria a ser referida como dia nacional da consciência negra.

Virada histórica e construção

A partir de meados de 1972 a formação do grupo contava com Antonia Mariza Carolino, Helena Vitória dos Santos Machado e Marli Carolino, além de Anita e Oliveira. Um dos principais locais de reunião passou a ser o bar da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, que na época era URGS. Anita Leocádia Prestes Abad, que em 1973 já não estava mais no grupo. Helena Vitória dos Santos Machado e, a partir de 1976, Marisa Souza da Silva foram integrantes cuja participação contribuiu decisivamente para o ajuste do trabalho ao contexto das lutas sociais.

Uma cronologia pode demonstrar o esforço continuado, marcando o Vinte de Novembro,ano a ano até a sua total implantação no país.

1971 - Primeiro ato evocativo do Vinte de Novembro, a homenagem a Palmares em 20/11 no clube Náutico Marcílio Dias.

1972 – Sete páginas dedicadas a Palmares na revista ZH o jornal Zero Hora em 19/11. Histórico de Palmares, depoimento do grupo, redigido por Helena Vitória dos Santos Machado, poema de Solano Trindade com ilustração de Trindade Leal, um conto, capa e ilustração da artista plástica negra Magliani (Maria Lídia), além da ilustração de Batsow, imagens aproveitadas do fascículo Zumbi da Editora Abril e fotos. Material organizado e redigido pelo componente Oliveira e Editado por Juarez Fonseca, do Zero Hora.

1973 – de 6 a 20/11, exposição “três pintores negros” (Magliani J. Altair Paulo Chimendes), palestra de Décio Freitas e o espetáculo “Do carnaval ao quilombo” ( música e texto.

Local: Teatro de Câmara. Em treze de maio fora publicada no jornal do Brasil uma entrevista concedida pelo grupo Palmares. Segundo informações, uma síntese de matéria apareceu no jornal francês Lê Monde. Nesse e noutros anos, televisão e rádio ajudaram na difusão da proposta.

1974 – Divulgação de manifesto através do jornal do Brasil, em matéria assinada por Alexandre Garcia (repórter também na entrevista de 13/5/73). No texto, breve histórico de Palmares “e outros movimentos negros”e indicação de bibliografia. Maria Beatriz Nascimento (2002, p.48), atenta registrou.

1975 - Encontro do grupo Palmares e grupo Afro-Sul, de música e dança, no Clube de Cultura, associação judaica. A seguir em 10 e 16 de dezembro, foram realizadas em parceria com o clube duas palestras e Décio Freitas.

1976 – Lançamento do livreto “Mini-história do negro brasileiro”, na sociedade negra Nós os Democratas. Da tentativa de reformulação surgiu posteriormente “História do negro brasileiro:uma síntese”, um outro livreto editado pela prefeitura de Porto alegre, através da SMEC, em 1986, assinado por Anita Abade outros. Nesse ano em novembro, semanas do negro em Campinas-SP com o grupo Teatro Evolução e em São Paulo com o Cecan e o Cebac. No Rio de Janeiro, conferir ações do IPCN, por exemplo, entidade nova já atenta ao Vinte de Novembro.

Meses antes em 1976, o grupo Palmares recebeu a visita de Orlando Fernandes, vice presidente do IPCN, e Carlos Alberto Medeiros, vice-presidente de relações públicas. O vinte ganhava adesões.

1977 – Ato de Associação Satélite-Prontidão, sociedade negra, com exposição da minibiblioteca do Grupo Palmares e a presença do escritor negro paulista Oswaldo de Camargo, convidado especial. O grupo Nosso Teatro, depois Grupo Cultural Razão Negra, fez apresentação demonstrativa (não a caráter) de sua montagem para a dramatização de “Esperando o embaixador“, conto de Oswaldo.

Além de assinalar o Vinte de Novembro, o Grupo Palmares realizou outra atividades como visita, estudo e divulgação da Congada de Osório-RS em 1973, aproximação com sociedades negras (clubes) mural na sociedade 508 Nós os Democratas, interação e intercâmbio com outros grupos ou entidades... Motivado pelo exemplo de Porto Alegre foi criado em 4/8/1974 em Rosário do Sul – RS, o grupo Unionista Palmares – data de registro para a fundação ocorrida em 21/7. A partir de 20/11/2001º nome mudou para Grupo Palmares de Rosário do Sul.

A primeira fase do Grupo Palmares de Porto Alegre, encerrou em 3 de agosto de 1978. Viriam outras duas, mais adiante. Mas o Vinte de Novembro já estava implantado no país, já estava estabelecida a virada histórica e construído ao longo de sete anos um novo referencial para o povo negro e sua luta. Para o indivíduo negro, o homem ou mulher, sua auto-estima, sua identidade. Criança ou adulto. Novo referencial para o Brasil,com atenções até no exterior, verificadas mais tarde.

E o Vinte de Novembro logo receberia a adesão importante do MNUCDR com a denominação Dia Nacional da Consciência Negra. Receberia , na figura do rei e herói o Festival Comunitário Negro Zumbi (Feconezu), para cidades do Estado de São Paulo. E estava, através da imagem de Zumbi ou explicitamente, como data negra, no Grupo Tição (1977-1980), de Porto Alegre, em sua revista nº 1, de março de 1978; na seção afro-latina-América do jornal ou revista Versus em outubro de 1978, São Paulo; na literatura negra, em “Cadernos Negros” nº 1, São Paulo, o primeiro de uma grande série e com versos de Cuti, Eduardo de Oliveira e Jamu Minka falando em Zumbi, em Ele Semong e José Carlos Limeira juntos em “O arco-íris negro”, no Rio em 1978, ou em Abelardo Rodrigues de “Memória da noite”, no mesmo ano em São Paulo. O Vinte de Novembro e seu espírito já estavam muito bem incorporados à vida e à luta.

O espírito do Vinte

O historiador negro mineiro Marcos Antônio Cardoso (2002, p.47, 48, 66, 67) faz justiça ao Grupo Palmares e sua iniciativa de marcar o Vinte de Novembro, destacando a atuação do grupo no conjunto de ações do movimento negro ,objeto de sua preciosa disertação.

O grupo Palmares primou sempre por um detalhe: ser formado exclusivamente por negros. Com isso, a iniciativa, as idéias e a prática do Vinte se constituem em criação inequivocadamente negra, emergindo da própria comunidade negra e seguindo caminhos próprios, com suas próprias forças e fragilidades . A nominata consagra a importância do individual na composição de um grupo.

Grupo Palmares – Porto Alegre,Rio Grande do Sul, Brasil
Fases:1971ª 1978; GT Palmares do MNU e autônoma novamente, ambas na ´cada de 80. A partir de 1988 ou 1989 dilui-se em ramificações.

Iniciadores – Antonio Carlos Cortes,Ilmo da silva, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Anita Leocádia Prestes Abad e Nara Helena Medeiros Soares.

Em novas formações – Antônia Mariza Carolino, Gilberto Alves Ramos, Helena Vitória dos Santos Machado, Margarida Maria Martimiano, Marisa Souza da Silva e Marli Carolino.

Registre-se ainda a passagem, pelo grupo, de Irene Santos, Leni Souza, Luiz Augusto, Luiz Carlos Ribeiro, Maria Conceição Lopes Fontoura, Otalício Rodrigues dos Santos, Rui Rodrigues Moraes e Vera Daisy Barcelos. Na segunda fase (GT Palmares MNU), Cees Santos. Na terceira (Autônoma, pós MNU ), Hilton Machado. Estiveram ligados de alguma formaao trabalho Luiz Mário Tavares da Rosa e Maria da Graça Lopes Fontoura , além de um grupo de estudantes de ensino médio, entre os quais Eliane Silva (Nany) e Aírton Duarte. O grupo Palmares contou, paralelamente, com o apoio de um cpirculo de colaboradores e simpatizantes negros. Aliados, em outro segmentos étnico-raciais, emprestaram também seu apoio, ocasionalmente.

O Grupo Palmares sempre valorizou e destacou Zumbi como herói nacional que é, mas preferiusempre centrar a evocação no coletivo: 20 de novembro - Palmares, o momento maior (slogan em cartaz e convite em 1973). Ou então: a homenagem a Palmares em 20 de novembro, dia da morte heróica de Zumbi. Afinal o Estado Negro foi uma criação coletiva da negrada.

O espírito do Vinte é negro, popular e se aninha junto à família negra: homem negro, mulher negra, criança negra. Continuidade étnico-racial com identidade
cultural negra e poder político. Conjugadamente. Uma fórmula, três pricípios. No espírito do Vinte. Ou raça, cultura, poder - em três palavras.

Surgindo numa época em que eram internacionais as influências - da negritude antilhano-africana, das independências na África, do socialismo europeu e dos movimentos negros estadunidenses - o Vinte de Novembro, com todo seu potencial aglutinador, era e continua sendo motivação bem nacional. Afro-brasileira. Negra. Natural, portanto, que em seus 35 anos esteja contemplado numa agenda nacional montada sob liderança da ministra Matilde Ribeiro e coordenada pela Seppir, essa grande experiência, inédita e fecunda. Modelar, inspirando adoção de organismos similares em outros países com peculiariade local e criatividade própria de cada um deles. Mais: conduzindo internamente um processo importante, necessário e, por vocação, irreversível.Sinal de que a luta valeu e vale a pena. Sinal de que negros e negras, com adesão de aliados e aliadas construímos e vivemos simtempos novos e promissores no Brasil.

Referências bibliográficas

CARDOSO, Marcos Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte : 1978 - 1998. Belo Horizonte: Mazza
Ed; 2002. 240 p.

SILVEIRA, Oliveira. Vinte de Novembro: história e conteúdo, , in SILVA, Ptronilha Beatriz Gonçalves e;

SILVERIO, Valter Roberto (Orgs) . Educação e Ações Afirmativas: Brasília-DF: Mec/Inep, 2003. 270 p.

8 de novembro de 2007

Oliveira Silveira contra a metáfora chapa-branca

Ronald Augusto (*)
Porto Alegre (RS) · 17/10/2007

Oliveira Silveira, poeta, nasceu em Rosário do Sul (RS) no ano de 1941. Publicou, entre outros, Germinou, Porto Alegre, 1968; Banzo, Saudade Negra, Porto Alegre, 1970; Pêlo Escuro, Porto Alegre, 1977; Roteiro dos Tantãs, Porto Alegre, 1981; Anotações à Margem, Porto Alegre, 1994. Todos livros de poesia. Seus poemas também já foram traduzidos, entre outras línguas, para o inglês e o alemão, e essas traduções apareceram respectivamente na revista Callaloo, The Johns Hopkins University Press (1995), e na antologia Schwarze Poesie, Edition Diá, 1988.

De 1995 para cá, mais exatamente com a publicação do ensaio “Transnegressão” (in Presença negra no Rio Grande do Sul, org. Fernando Seffner, UE, Cadernos Porto & Vírgula, págs. 47-55), momento em que comecei a escrever de maneira mais crítica a respeito de poesia e coisas afins, o percurso textual de Oliveira Silveira tem sido objeto do meu interesse e da minha fruição. Cabe lembrar (e disso me orgulho) que mantemos um diálogo fraterno já há mais de 25 anos.

Sobre sua poesia, entre outras coisas, posso adiantar ao leitor que Oliveira Silveira despreza a complexidade do “literário” convencido e convencional em benefício de outra espécie de complexidade, a saber, ele credita suas forças numa secura antes espartana do que cabralina.

Oliveira é capaz de uma contensão e de uma elegância que só me permito associá-las à sempiterna e serpentina vanguarda da velha-guarda de todos os sambas. A metalinguagem do samba - que se dá a ver na mais ligeira recordação de alguns exemplos do seu cancioneiro -, desmente a concepção de que o uso da metalinguagem é uma prerrogativa viciosa e restrita à erudição de cunho burguês.

Assim, como acontece na arte dos grandes sambistas, a nota metalinguística comparece na obra de Oliveira Silveira, mas de maneira não exibicionista. Oliveira, então, fala de poesia no poema, mas como se reconhecesse um discreto fardo contido nesta sorte de felicidade “arte-feita”.

A gestalt severa e exata da poesia de Oliveira, sua brevidade grave e algo epigramática - considerada se quisermos a partir da perspectiva que reconhece uma vertente negra na literatura brasileira -, é emblema de ceticismo tanto em relação à ética do homem branco, quanto ao viés estético referendado pelo meio literário, representação especular, mas com suas particularidades, dos conflitos étnicos e sociais presentes sob o arco ideológico.

Oliveira nunca perde de vista, no trato com a matéria verbal, que o que aí está em causa é a visão da poesia como arte, isto é, ele constrói o poema desde um ponto de vista estético. A poesia é uma coesão fundo-forma. A idéia ou o conteúdo são visados pelo poeta como dados estéticos e construtivos agenciados e relacionados a outros dados estéticos que compõem a estrutura do poema. Sua poesia, portanto, não cabe dentro dos limites reducionistas de uma “arte participante” ou engajada.

A poesia de Oliveira Silveira se nutre de uma salutar desconfiança a propósito do poder de comunicação da metáfora. Silveira parece dar-se conta de que a naturalização da metáfora, sua precedência, por assim dizer, sobre outros elementos da função poética da linguagem, encobre um barateamento expressivo mesclado a uma afetação kitsch que está a serviço da mundanização da figura do poeta e de sua inserção filisteísta nos quadros de um sistema literário cada vez mais chapa-branca. Felizmente, imbricada em sua poesia elegante há a dose essencial de antipoesia.

Os poemas de Oliveira Silveira continuam, portanto, críticos e, a cada dia que passa, menos alambicados. Um desaforo calmo aos medianeiros da metaforização indecorosa. Os versos de sua linguagem produzem uma estranha delicadeza que vela maliciosamente o cacto “áspero, intratável e forte”.

Oliveira, o homem que inventou o 20 de Novembro. Tradutor de Aimè Cèsaire e Langston Hughes. Poeta que se atreveu a exercitar, hoje, o que nos restou do eco épico (Souzalopes dixit) sem cair em erro: refiro-me à obra Poema sobre Palmares de 1987, onde Oliveira tematiza e recria a experiência histórica e hoje canonizada do mais importante quilombo das Américas.

Silveira, um dos poucos poetas que se banhou na líquida algaravia das línguas africanas. E mesmo não se dedicando por inteiro a uma franca experimentação poética, Oliveira, em alguns dos seus livros, tem contribuído com inteligentes exemplos de poemas que se fragmentam até a unidade mínima da palavra, isto é, a letra.

Em tais poemas, suspensa na página branca, a letra quase deixa de ser letra ao “contornar” ou esboçar, digamos assim, desenhos metonímicos de atabaques, gaiola, banjo: em suma, todo um arranjo não-convencional, concorrendo para subverter a linearidade discursiva. Não tenho receio de afirmar que estes poemas ampliam consideravelmente as possibilidades de leitura da obra de Oliveira Silveira.

E, finalmente, numa época em que a prática da autopromoção faculta a muito poeta de segunda categoria um lugar de destaque no florilégio medíocre das letras “locais” (Porto Alegre), o silêncio vil e incivil em torno do nome de Oliveira Silveira - sem esquecer que para isso contribui a sua orgulhosa e solitária modéstia - pode ser interpretado como um sinal de distinção. Em resumo: quem não leu ainda a poesia de Oliveira, seja por imperícia, seja por má-fé, que não atrapalhe.


(*) Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992) Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007). É co-editor, ao lado de Ronaldo Machado, da Editora Éblis www.editoraeblis.blogspot.com. Traduções de seus poemas apareceram em Callaloo African Brazilian Literature: a special issue, vol. 18, n0 4, Baltimore: The Johns Hopkins University Press (1995), Dichtungsring - Zeitschrift für Literatur, Bonn (de 1992 a 2006, colaborações em diversos números, poesia verbal e não-verbal) www.dichtungsring-ev.de. Artigos e/ou ensaios sobre poesia publicados em revistas do Brasil e sites de literatura: Babel (SC/SP), Porto & Vírgula (RS), Morcego Cego (SC), Suplemento Cultural do Jornal A Tarde (BA), Caderno Cultura do Diário Catarinense (SC), Suplemento Cultura do jornal Zero Hora (RS); Revista Dimensão nº 28/29, tradução de poema de e. e. cummings (MG); Revista ATO (MG); Revista RODA - Arte e Cultura do Atlântico Negro (MG); www.cronopios.com.br; www.overmundo.com.br; www.revista.criterio.nom.br; www.germinaliteratura.com.br; www.slope.org; entre outros. Despacha nos blogs: www.poesiacoisanenhuma.blogspot.com e www.poesia-pau.zip.net. Ministra oficinas e cursos de poesia e é integrante do grupo os poETs: www.ospoets.com.br

www.overmundo.com.br

7 de novembro de 2007

Metapoemas: literatura negra nos textos de Luiz Silva – Cuti, Edmilson Pereira e Oliveira Silveira

por Simone de Jesus Santos

Em face da polêmica em torno do assunto ou simplesmente da denominação Literatura Negra, o trabalho tem como objetivo discutir, a partir dos textos literários metalingüísticos qual (is) possível (is) leitura (s) podemos realizar dos modos como os escritores afro - brasileiros entendem a sua própria produção, já que a sua escrita é tida pela crítica literária e cultural como diferenciada. Enriquecer os debates sobre a produção literária afro-brasileira possibilita um fortalecimento da mesma pelo fato de colocarmos no centro da discussão uma escrita que embora invisibilizada, institui uma outra tradição que visa a uma positiva representação do afro- descendente. Foram investigados os textos dos escritores afro-brasileiros Luiz Silva-Cuti, Edmilson Pereira e Oliveira Silveira. Foi possível concluir que apesar das particularidades presentes nos textos de cada escritor, a Literatura Negra pode ser lida, nos textos dos três escritores, como um instrumento de transformação da visão estereotipada do afro-descendente. Em relação às distinções entre os escritores, observa-- se que Cuti discute muito a dificuldade de publicação da Literatura Negra, enquanto Edmilson dá um destaque à cultura popular dos afro-brasileiros e Oliveira Silveira traz uma constante de releitura de fatos históricos como elemento de constituição identitária.

Pós Letras - Pesquisas do Programa de Pós Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia
http://posletrasufba.blogspot.com/2007/10/metapoemas-literatura-negra-nos-textos.html